Houve um tempo, não muitos anos atrás, em que o facto de ir de Espanha para Portugal era controlado nas fronteiras. Não havia maneira de passar sem os Carabineros em Espanha, a Guardinha em Portugal, reagistrando tudo o que passavam e requisavam a mercadoria. Como resultado dessa situação, como meio de sobrevivência, surge o contratardo.
O contrabando era realizado tanto por espanhóis como por portugueses, transportando sercretamente produtos como o café, roupa, doces, batatas e qualquer outra necessidade que pudessem vender ou tratar para fazerem a vida.
Quero descrever o que estava acontecendo no nordeste da Extremadura, entre duas cidades, uma espanhola e uma portuguesa. Em que a fronteira é um rio e a distância entre eles é de apenas 5 quilômetros. Vou falar sobre Zarza la Mayor, minha cidade e Salvaterra do Extremo, a cidade do meu pai. E, claro, o rio Erjas, a fronteira.
Como meu pai viveu com a sua avó, trocando produtos para sobreviver à fome daqueles tempos em ambos os países, vou contar-vos.
O contrabando era sempre realizado à noite, quanto mais escuro melhor. Era mais difícil para a guardinha prenderem contrabandistas sem visibilidade. Se os guardas viam alguém carregando mercadorias, eles disparavam três vezes para o alto, esperando que os contrabandistas parassem ou deixassem a mercadoria para fugirem.
Normalmente os contrabandistas liberavam a mercadoria e corriam para se esconder, porque se fossem apanhados seriam multados, além de requisitar a mercadoria. E se eles não podiam pagar a multa (o mais comum), eles eram levados para a masmorra, da cidade em que estavam presos. E isso, com o medo de que se fugissem, poderiam ser baleados até a morte.
O meu pai acompanhou a sua avó de Salvaterra a Zarza todas as noites, para a ajudar a transportar a mercadoria. Nas costas deles levavam cerca de 20 quilos de café e batatas. A estrada era pedregosa, cheia de arbustos e íngreme. Com muito sigilo, eles deixavam a aldeia até chegarem ao rio. Eles nunca foram sozinhos, mas cada um carregou os seus produtos.
Para atravessar o rio, eles se ajudavam com cordas. O primeiro era amarrado na cintura e cruzava o rio, enquanto o resto segurava a corda, caso a corrente jogarale uma mala passada. A verdade é que a maioria não sabia nadar. Uma vez que a corda era instalada, o resto ia cruzando, impedindo a mercadoria de se molhar. Mas eles molhavam-se. Como não tinham para se secar, nem roupas para mudar, o resto do caminho faziam-no molhados.
Muitos ficavam doentes com pneumonia e bronquite e morriam.
Depois que conseguiram atravessar o rio, caminhavam na noite escura até chegarem a Zarza, onde os tendeiros os esperavam com a porta aberta, a lareira acesa e um caldo quentinho. Eles não tinham muito tempo para fazer a troca e ganhar força porque tinham que voltar com a mercadoria obtida em troca. O retorno era por caminhos diferentes, nunca por onde eles foram, para evitar serem apanhados. Mas desta vez carregado de doces e chocolate.
Com o tempo, minha bisavó não podia fazer o caminho e o meu Pai, ajudou a avó, ainda carregando café e batatas. Mas aprovetaiva para ficar de festa em Zarza. No caminho de volta, ele levava calças. Tantos quanto poderia conseguir, um em cima do outro para que a guarda não o parasse por contrabando. Embora tivessem de atravessar o rio.
A atividade de contrabando, ou melhor, dessa forma de sobrevivência, perdurou por muitos anos na região, até que as fronteiras desapareceram, quando Portugal e Espanha ingressaram na União Europeia. Só assim muitas famílias conseguiram superar a fome e a pobreza de muitos anos difíceis.
Hoje a relação de troca, só comprando e vendendo entre as duas aldeias continua a acontecer. Não há espanhol que não vá a Salvaterra para tomar café e não há português que não venha a Zarza para beber algumas bebidas e comprar no supermercado.
Também se faz cada ano uma rota, para recodar a sobrevivência daqueles tempos.
Sandra dos Santos Templado