Às vezes, o destino faz coisas com as vidas das pessoas, chamadas a fazer história, que é impossível imaginar, ainda que não seja o seu desejo. Isto é o que aconteceu há 44 anos, hoje, 25 de abril, com o homem de que eu vou falar neste artigo de nós-otros.
O seu percurso neste mundo começa em Castelo de Vide (Alto Alentejo), no dia 1 de julho de 194, a data de nascimento de Fernando José Salgueiro Maia. É o único filho de Francisco da Luz, operário da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses -hoje Comboios de Portugal- e de Francisca Silvéria, a qual morreu quando o nosso protagonista só tinha 4 anos.
Fernando José, conhecido por todos e pela História apenas pelos seus apelidos, morou em Coruche (Alentejo) e Tomar (Ribatejo). Aos 16 anos instalou-se com o seu pai em Pombal, e fez o ensino secundário em Leiria, na província de Beira-Litoral.
É após isto, com 19 anos, ele vai para ingressar na Academia Militar em Lisboa, um objetivo que ele atinge no ano seguinte, em 1964. Com os anos Maia ascenderá a comandante de instrução na Escola Prática de Cavalaria em Santarém, um local que será de muita importância na sua vida.
Nos últimos anos da década de 60 e primeiros da década de 70, Salgueiro Maia é destinado à guerra colonial, onde integrou uma companhia de comandos em Moçambique e logo na Guiné. O vivido lá terá sido fundamental na sua vida, e ele conta-o de maneira excecional no seu libro ‘Capitão de Abril’, o qual recomendo fortemente ler.
Volta para Portugal em 1973, e imediatamente adere ao Movimento das Forças Armadas (MFA), no qual é designado Delegado de Cavalaria, na ‘sua’ EPC de Santarém. Além disso, Salgueiro Maia será designado membro da Comissão Coordenadora do Movimento.
O ano chave na sua vida é o seguinte, 1974. A primeira das datas fundamentais do ano para o capitão Maia é a 16 de março, com o ‘Levantamento das Caldas’, uma tentativa de derrubamento da ditadura de Marcello Caetano, o ‘Estado Novo’, que ele comandava após a doença de Salazar, desde 1968. A intentona das Caldas da Rainha não teve sucesso, mas ficou marcado o caminho para atingir os objetivos do MFA.
Hoje, eu dizia ao começo, é o 44º aniversário da segunda das datas. À 1h30 da madrugada do 25 de abril, apenas uma hora e dez minutos depois de que a imortal cantiga de Zeca Afonso «Grandôla, Vila Morena» tivesse soado na Rádio Renascença. Esse era o sinal para que o MFA começasse a fazer possível o retorno da liberdade a Portugal, e essa foi a hora em que Maia ordenou aos homens da Escola Prática de Cavalaria a formarem, com a pronúncia de umas palavras que definem perfeitamente a essência do MFA e da Revolução:
«Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!»
Quase ninguém, com a exceção dos necessários para manter o bom estado das coisas na EPC e alguns mandos detidos pelo seu desejo de se manterem fieis ao Estado Novo, ficou lá. A coluna que Salgueiro Maia comandava atingiu às 6h00 o seu alvo: Toledo, mas não o de Castela-Mancha, senão que era o Terreiro do Paço, o coração do Regime. ‘Charlie Oito’, que é o nome da coluna do capitão Maia, conseguiu tomar, sem violência nenhuma, os Ministérios, o Governo Civil, a Câmara Municipal de Lisboa, o Banco de Portugal (Bruxelas como nome chave) e a Rádio Marconi (Viena para a Revolução).
Além destes alvos, Salgueiro Maia e a sua coluna conseguiram conter a ameaça da fragata Almirante Gago Coutinho no Tejo -ao fim fundeada sem atirar contra o Terreiro do Paço, graças a uma sublevação pacífica no vaso de guerra-, e uma outra coluna de viaturas blindadas na Rua do Arsenal, armado só com um lenço branco contra 5 carros de combate e um regimento de infantaria.
Mas, acima de tudo, o que fica na memória é o facto de o capitão Maia e os seus homens terem feito render Marcello Caetano e os seus ministros, escondidos no quartel da Guarda Nacional Republicana (GNR) no Largo do Carmo. Apesar de estar cheio de gente, ninguém no Carmo sofreu ferida alguma, conseguindo Maia o triunfo do MFA e da Revolução dos Cravos. O capitão conta-o assim no seu livro:
«Marcelo estava pálido, barba por fazer, gravata desapertada, mas digno. Fiz-lhe a continência da praxe e disse-lhe que queria a rendição formal e imediata. Declarou-me já se ter rendido ao Sr. General Spínola, pelo telefone, e só aguardava a chegada deste para lhe transferir o Poder, para que o mesmo não caísse na rua! Estive para lhe dizer que estava lá fora o Poder no povo e que este estava na rua.
Declarou esperar que o tratassem com a dignidade com que sempre tinha vivido e perguntou o que ia ser feito dele. Declarei que certamente seria tratado com dignidade, mas não sabia para onde iria, pois isso não me competia a mim decidir. Perguntou a quem competia. Declarei que a «Óscar». Perguntou quem era «Óscar». Declarei ser a Comissão Coordenadora. Perguntou-me quem eram os chefes. Declarei serem vários oficiais, incluindo alguns generais, isto para que ele não ficasse mal impressionado por a Revolução ser feita essencialmente por capitães.
Perguntou-me ainda o que ia ser feito do Ultramar. Declarei-lhe que a solução para a guerra seria obtida por conversações. Toda esta conversa, tida a sós, teve por fundo o barulho do povo a cantar o Hino Nacional e o Está na hora».
Mas o seu papel, fundamental na História de Portugal e na defesa da Liberdade, não correu só no dia 25 de Abril. Maia também terá jogado um role decisivo no golpe Do dia 25 de novembro de 1975, quando contribuiu para o fracasso da tentativa que arriscava muito do atingido pelo MFA, com uma nova saída de uma coluna da EPC de Santarém.
Após a Revolução e o PREC -Processo Revolucionário Em Curso-, e com a volta da liberdade a Portugal, Salgueiro Maia terá como seguinte destino, os Açores, e voltará novamente a Santarém, onde comandará por um tempo o presídio militar de Santa Margarida. O capitão recusará muitos méritos nos anos seguintes, entre os quais contam-se ser membro do Conselho da Revolução, adido militar numa embaixada à sua escolha, governador civil do Distrito de Santarém e pertencer à casa Militar da Presidência da República. Só aceitará as promoções a major em 1981 e posteriormente a Tenente-coronel.
Mas a vida não é justa com alguns heróis. Em 1989 foi-lhe diagnosticado um cancro, que o vitimou três anos depois, a 4 de abril de 1992, quando Salgueiro Maia só tinha 47 anos. Ao seu enterro em Castelo de Vide acudiram todos os que foram presidentes da República após a Revolução (António de Spínola, Costa Gomes, Ramalho Eanes e Mário Soares), sem diferenças de partidos, para homenagear o homem que lhes permitiu ter atingido a Presidência. O capitão da coluna ‘Charlie Oito’ da EPC.
O imortal capitão de abril, Fernando Salgueiro Maia.
Carlos Patino Lino.
(Editado por: Luis Rodríguez)
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