Na minha cidade há jardins com lagoas
apressadas entre monstros de vidro e de cimento,
onde indolentes cisnes agonizam
balançando-se na lama.
Na minha cidade há cem obscuras igrejas com as portas fechadas,
fantásticos navios varados com a sua quilha para o céu,
que se alçam altivas, como espadas
afiadas de pedra.
Na minha cidade há milhares de modestas famílias
que passeiam os seus tédios cada fim de semana
por geométricos jardins de desenho
com pérgulas de roseiras defloradas.
Na minha cidade, os miúdos, lentamente,
arrincoam a sua meninice, ensimesmados
em violentos jogos eletrónicos,
nos que matar é conseguir mais pontos.
Na minha cidade, os velhos, solitários, nunca exoram;
só leem jornais, quase sempre atrasados,
ou assobiam entre dentes melodias antigas,
que apreenderam quando ainda não se sabiam mortos.
Na minha cidade há verdes lixeiras
repletas de precárias ilusões perdidas,
de sonhos desfeitos, de sobras de comida,
que diariamente apanha um camião limpador de consciências.
Na minha cidade, as gentes vão às pressas,
para chegarem quanto antes ao engarrafamento
e fazer soar os cláxones, e zangar-se,
porque a vida não é como eles sonharam.
Na minha cidade, as árvores, cativas em passeios
enchidos de beatas e excrementos de cão,
têm copas perfeitamente esféricas
nas que já não aninham os pássaros urbanos.
Amigo, na minha cidade não há tempo para nada;
a ânsia por chegarmos a nenhuma paragem
impede-nos de olhar a paisagem de fora.
Estamos condenados ao desterro da alma
em triste solidão mansamente cercada.