Janeiro 1974. A mulher morava numa aldeia, como outras muitas, perto do río Douro, daquelas onde a vida é singela e dura, de pedras e mãos murchas.
A sua passava calma e nem mudanças, era a que ela sempre conheceu, não viajou muito, por volta desses anos ningém fazia isso, nem para dar à luz o seu único filho.
A sua rotina diária era a mesma das outras mulheres da aldeia, ela acordava muito cedo, reacendia o lume –humidade do rio bendito- e preparava o frugal pequeno almoço. O seu marido jantava em silêncio (no último ano e meio mudo para velho) e saiu para o campo ou para ver os poucos animais, ese día não atravessou o río para voltar com algumas moedas de contrabando.
Ela sabía que ainda era cedo, mais foi dar um passeio para ver as amendoeiras, desejava ver as flores brancas e repetiu: “as amendoerias florescerão em breve”, as pessoas olhavam com estranheza, estava muito frio.
Março 1974 (Fim de Março). Hoje ela achava ver alguns brotos nas amendoeiras, no raquítico pátio da sua casa, o tempo não passava e ela disse o seu mantra: “as amendoeiras florescerão em breve”, uma lágrima escorregou sem permissão, o inverno já era uma memoria vívida. Faltava menos.
Início de Abril 1974. O seu marido deu-lhe um beijo e saiu em silêncio, ela lembrou-se daqueles tempos onde tudo era barulho. O seu filho sempre lhe dava um beijo antes de sair, “Um por hoje e outro para o futuro caso não me lembre”, e saiu com o pai fazendo mil ruídos, assobiando ou cantando qualquer canção.
Os primeiros brotos estavam abrindo, a sua oração particular retumbou novamente.
Fim de Abril 1974. Só havia um caminho para entrar na aldeia e ela estava sempre lá, os murmúrios não a incomodaram, as amendoeiras já eram como uma queda de neve das antigas, o cheiro era intenso.
O carteiro -corvo preto- olhou-a de uma maneira estranha e perguntou-lhe pelo seu marido, com a carta na mão.
25 de Abril 1974. O silêncio doeu, a mãe olhava para as árvores, não sabendo se havia amendoeiras em Moçambique mas sabendo que ela não teria o seu beijo há muito aguardado –o beijo para amanhã-. O pai escovou a sua bochecha e deixou um cravo para ela na mesa. Hoje havia um sol desconhecido.
NOTA:
Nas guerras coloniais, 8.490 soldados portugueses morreram, 15.507 voltaram com sequelas físicas ou psíquicas (64.000 pessoas morreram entre guerrilheiros e civis).
O 25 de Abril de 1974 foi o começo do fim dessas guerras em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique e o retorno de muitos jovens portugueses.
Alberto Santiago Martín Martín
(Editado por: Luis Rodríguez)
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